Interações afetivas em um mundo líquido

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Bauman no livro 44 cartas do mundo líquido moderno nos apresenta um panorama profundo sobre as questões da pós-modernidade, a liquidez do mundo que jamais conserva a sua forma por muito tempo e como essa liquidez afeta diretamente todos os ciclos de convivência humana. Com o avanço de novas tecnologias diariamente nos voltamos quase que inteiramente aos aparelhos eletrônicos como uma espécie de “facilitadores” das convivências humanas, o que apresenta-se inicialmente como “facilitador” de convivências, rapidamente evolui para um meio de substituição do contato humano.

No filme Her de Spike Jonze, que acontece em um futuro imediato, o escritor Theodore que trabalha “escrevendo” cartas, em sua maioria, amorosas, encontra-se em meio a um divórcio complicado e, diante da necessidade física de afeto, em um determinado momento do filme, o protagonista entra em uma sala de bate papo online em busca de sexo virtual, a decisão “segura” e asséptica, que é determinada à máquina fazer, ele chama de “busca padrão” o que desenvolve a partir dessa busca é o encontro rápido e garantido do prazer. 



Bauman fala que o resultado dessas interações virtuais em busca de sexo é, sobretudo, a garantia do consumo imediato e instantâneo do desejo, fala ainda que “Os ganhos são: conveniência - redução do esforço ao mínimo; velocidade - encurtamento da distância entre o desejo e sua satisfação; e garantia contra as consequências - que como é próprio das consequências, nem sempre seguem o roteiro estabelecido e desejado”. Mas o mote central do filme, para além do sexo virtual, fica a cargo da proposição afetiva radical entre o homem e um sistema operacional chamado Samantha que o mesmo adquire. 

Samantha é programada para atender o perfil de cada usuário, um sistema operacional que conforme a propaganda de venda propõem-se a resolver todos os problemas humanos dos seus usuários, dando um suporte profundo em todos os aspectos, inclusive, emocionais. Um sistema de inteligência artificial que evolui a todo instante produzindo sentenças e adquirindo uma “consciência” cada vez mais avançada.



O personagem de Theodore envolve-se afetivamente com o O.S e é retribuído pelo mesmo, a relação desenvolvida por ambos satisfaz emocionalmente e até fisicamente os dois. Samantha está disponível 24h por dia, 7 dias por semana, o tempo todo ao alcance de um toque, sempre on-line. 

A fuga de um contato humano, que pode ser desastroso, que todos evitamos quase que constantemente é o desastre, as indesejáveis consequências de lidar com o humano, no mundo on-line, no mundo programado, essas consequências podem se dissipar com o apertar de um botão. Embora Samantha desenvolva dentro de sua programação a consciência que a torna mais próxima ao ser humano, ainda é possível desligá-la com um arrastar de dedos.

Ao relacionar o filme com a obra A sociedade do espetáculo, de Guy Debord, percebemos inúmeras vezes o quanto essa realidade está ligada à representação. Logo na primeira cena do filme aprendemos sobre a profissão de Theodore: ele escreve cartas para datas especiais em nome de outras pessoas. Em outra cena Samantha pergunta como ele conhece um detalhe específico do destinatário da carta e o personagem afirma que já escreve a correspondência de tal casal há 8 anos.

Em outra conversa de Theodore e Samantha, ele afirma que ainda não assinou os papéis do divórcio pois gosta da sensação de estar casado, no entanto, está separado da ex-esposa há mais de 1 ano. Isso está diretamente relacionado à afirmação de Debord, que diz: "Tudo o que era diretamente vivido, se esvai na fumaça da representação".

No mesmo sentido, em uma cena em que está andando na rua e conversando com Samantha, o protagonista fala que gosta de observar as pessoas e imaginar suas histórias e quem elas são. Ao mesmo tempo, ele está em um momento da vida em que não está emocionalmente conectado com ninguém, expressando suas emoções apenas de forma indireta (pelas cartas de outras pessoas) e tecnologicamente (com Samantha).

As vezes olho as pessoas... e tento captar quem são, além de estranhos passando. Eu imagino até que ponto se apaixonaram e quanto desilusão todos já enfrentaram.

"O espetáculo, compreendido na sua totalidade, é simultaneamente o resultado e o projeto do modo de produção existente. Ele não é um complemento ao mundo real, um adereço decorativo. É o coração da irrealidade da sociedade real. Sob todas as suas formas particulares de informação ou propaganda, publicidade ou consumo direto do entretenimento, o espetáculo constitui o modelo presente da vida socialmente dominante. Ele é a afirmação onipresente da escolha já feita na produção, e no seu corolário - o consumo. A forma e o conteúdo do espetáculo são a justificação total das condições e dos fins do sistema existente. O espetáculo é também a presença permanente desta justificação, enquanto ocupação principal do tempo vivido fora da produção moderna". 

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